Ele sempre soube que não era nenhum super homem. Ainda assim, vivia como se nada pudesse lhe atingir. Trabalhava sem moderação. Usava ternos impecáveis e seu andar dava a impressão de ser alguém cheio de orgulho de si mesmo. Um tipo que acreditava que deu certo. Era um desses executivos que constantemente viajava pelos quatro cantos do mundo para se encontrar com pessoas muito ocupadas e, provavelmente pensava que eram tão importantes como ele. Sua cabeça estava ligada nos assuntos de trabalho todas as vinte e quatro horas de cada dia. Tinha uma família. Todos tinham tudo e muito. Isso significa, embora nem fosse preciso esclarecer, que tinham carros, boas roupas, jóias e tudo o que podiam comprar. De vez em quando, esse homem levava a esposa e filhos a um bom restaurante ou até a uma viagem ao exterior. Como sua cabeça não largava o trabalho, eram raros os momentos em que ele realmente aproveitava algum lazer. Claro que a sequência deste relato era previsível. Desenlaces como o desse homem, já aconteceram em muitas famílias e muitas empresas têm arquivados casos semelhantes. O cara adoeceu e todo mundo pensou que ele iria morrer. O desespero bateu forte. Houve um tempo sombrio e terrível. Nesse ponto tudo poderia voltar a ser como era ou, numa virada de mesa surpreendente e espetacular, poderia acontecer o início de um processo de transformação. Incrível como a sua família se comportou! Nem a mulher, nem os filhos, aguentaram ver aquele homem tão abatido, tão borocoxô. Revezaram-se para não lhe deixar só. Como não estavam acostumados com ele, não sabiam bem o que fazer para lhe alegrar. Nada parecia lhe dar prazer. Como tinham vontade de vê-lo logo curado, concluíram que ele sofria por estar longe de tudo o que se relacionava a trabalho. Com a melhor das boas intenções, colocaram seu computador e seu celular na cabeceira. Bateram palmas quando perceberam que as ligações estavam voltando a pipocar. O homem melhorou. A família ficou aliviada. Isso quer dizer que ele conseguiu colocar sua velha máscara, toda a sua fantasia e saiu novamente voando pelo mundo afora. Depois de um tempo, exatamente como era de se esperar, um novo episódio de doença aconteceu. Dessa vez, foi mais grave. Ficou acamado, com muitas dores e bastante deprimido. Fui vê-lo. Fui com o intuito de escutar seus fundos de olhos e decifrar seus menores movimentos. Estava abatido. Era como um animal ferido que fora capturado. Não estava nada bem. Quase não reagia. Ainda assim, escutei um som terrível de agonia muda. Por um momento, me reportei ao famoso quadro, " O Grito" , do norueguês Edvard Munch. Fiquei chocada com a força do desespero que senti vinda daquele homem. Claro que posso ter feito uma projeção. Não duvido, nem discordo. Afinal, tenho clareza da minha indignação quanto a maneira que muitas empresas tratam seus recursos humanos. É tudo tão sutil, que nem parece errado ou abuso. Exigem, sem declarar, dedicação absoluta, tempo, suor, saúde e tudo o que ainda conseguirem espremer. Reinam através do horror que as pessoas sentem de poderem ser mandadas embora, se não atenderem às expectativas, ou falando de forma mais chula, se mijarem fora do penico. Compram almas por moedas brilhantes e de valores duvidosos. É tão difícil conseguir entrar numa empresa! Aquele que consegue, acredita que é uma honra ou um privilégio, no mínimo. Passa então a fazer de tudo para agradar. Tudo passa a ser pouco. Faz mais. Vai esticando a corda...Voltei meu olhar para o homem na cama. Que triste figura! Parecia um trapo emaranhado em lençóis. Desejei que lhe fosse possível enxergar toda a loucura de vida em que se enfiou e que ainda lhe restassem forças para um pulo. Por fim, torci para que ele também fosse capaz de escutar fundos de olhos, afinal os meus lhe falaram um bocado!